Marcelo Ádams

Marcelo Ádams

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Celebridades

Assisti a dois filmes que falam de coisas parecidas, ainda que em contextos bem diferentes: a eleição, através do povo - estimulado, na maioria das vezes, pela mídia -, de pessoas que receberão a alcunha de celebridades, tendo ou (em grande parte das ocasiões) não tendo feito nada de muito relevante. O filme Demônio de mulher (It should happen to you, 1953), dirigido por George Cukor, e tendo no elenco Judy Holliday e Jack Lemmon, fala de uma mulher, Gladys Glover, que certo dia contrata um publicitário para afixar seu nome - apenas seu nome - em um out door em uma avenida movimentada de Nova York. A curiosidade provocada por esse grande painel, com letras garrafais, transforma Gladys em uma celebridade instantânea. Em uma cena impagável, Gladys vai a uma loja de departamentos que fica bem em frente ao out door com seu nome. Na hora de pagar, ela revela seu nome. A balconista leva um choque ao ouvir : "Você é Gladys Glover?! John, venha cá! Ela é Gladys Glover!". Toda a loja envolve a recém-celebridade, como um enxame de abelhas na colmeia.
A partir daí, Gladys é convidada a ser capa de várias revistas, dá uma série de entrevistas e...por que? Ninguém sabe, a única certeza é de que a moça é famosa, e deve ter coisas interessantes a dizer. Ela, provavelmente, está uns degraus acima de nós, simples mortais.
O outro filme é Inimigos públicos (Public enemies, 2009), de Michael Mann, com Johnny Depp e Marion Cotillard. Desta vez o filme é inspirado na vida real do gângster John Dillinger, que esculhambou a polícia norte-americana e foi um dos motivos para a criação do FBI, por volta de 1933. Dillinger rouba bancos e trens, e é adorado pela população, ainda sofrendo da terrível recessão provocada pelo crash da Bolsa de Valores, em 1929. Era a época áurea dos gângsters, espécies de Robin Hoods (pela ótica do povo), que roubavam dos ricos e...ficavam eles mesmos com o dinheiro. No entanto, havia uma certa vingança em roubar dos bancos, e as classes baixas se contentavam com a velha máxima egoísta de "se eu não posso ter, você também não terá". Outros como Dillinger fizeram escola, os mais notórios são Bonnie Parker e Clyde Barrow, retratados no cinema no brilhante Bonnie & Clyde- Uma rajada de balas (Bonnie & Clyde, 1967), com Warren Beatty e Faye Dunaway vivendo o casal de assaltantes que percorre a América, morrendo heroicamente em fuga.
Esses filmes mostram que o gosto popular tem mistérios que a própria razão desconhece. Justifica-se, de certo modo, a adoração desses bandidos nos anos 1930, em meio a uma terrível crise financeira. Não é o que acontece, em certa medida, nas favelas brasileiras, quando o assistencialismo de traficantes conquista a admiração do povo? Já no filme de Cukor, a notoriedade que Gladys ganha é totalmente artificial. É exatamente o que acontece com todas essas pessoas famosas fabricadas, cujos exemplos mais do que criticados são os particiantes de reality shows. Isso será fruto de que? Da ignorância da população? Da necessidade, inerente ao Homem, de fabricar ídolos para adorá-los? Parece que a religião é - me perdoem os não-agnósticos - feita para dar conforto aos que não conseguem conviver com a ideia de que estão sozinhos no mundo, contando apenas com outros iguais a ele, sem o salvo-conduto de um ser sobrenatural.
Nos próximos dias estarei no Festival de Gramado, e vou poder assistir de perto a esse fenômeno: as histéricas manifestações dos fãs que gritam aos que percorrem o tapete vermelho, na entrada do Palácio dos Festivais. Não é necessário saber quem é aquele cara, ou aquela moça, basta que esteja caminhando no tapete vermelho. "Quem é?", "Não sei, mas deve ser famoso!".

2 comentários:

  1. George Cukor é o diretor de My Fair Lady. Ponto. Não precisa dizer mais nada.

    Só gritar!

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  2. Celebridade instantânea não deixa de ser uma explicação de simulacro, as pessoas como cópias de cópias sem originais. Gostei do teu texto, lembrei do que ouvi uma vez sobre as celebridades de "olimpíadas" onde as pessoas pegam autógrafos de atletas e nem sabem a modalidade que eles praticam.

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