Marcelo Ádams

Marcelo Ádams

terça-feira, 31 de maio de 2011

Os dez equívocos do teatro infantil


Dib Carneiro Neto é jornalista, crítico e dramaturgo. Autor das peças "Adivinhe Quem Vem Para Rezar", "Depois Daquela Viagem" e "Salmo 91". Gostei da forma como ele vê o teatro para crianças, que às vezes é desvalorizado e tratado como subarte:

1) Excesso de intenções didáticas - Não é preciso ser explícito, criança é capaz de entender sugestões, simbologias. Arte é feita de alegorias, de metáforas. Estranheza é saudável. Criança tem capacidade de interpretar o que vê.

2) Uso de humor fácil e grosseiro - Muitos autores lançam mão de bordões televisivos para fazer a platéia rir ("da hora", "fala sério", "faz parte"). Isso cria no autor um falso retorno de aprovação do humor da peça. Essa facilidade de recorrer a bordões chulos e vazios da TV é um recurso pobre, que só escancara a incapacidade do autor de criar situações engraçadas por elas mesmas.

3) Excesso de efeitos multimídias - Muitos autores ficaram com idéia de que, para atingir o jovem no teatro, basta levar para o palco os recursos tecnológicos a que esse jovem está acostumado a lidar, ou seja, a linguagem de videoclipe, a rapidez da internet, as cenas pré-gravadas em vídeo e exibidas em telões em cima do palco. Mesclar linguagens artísticas diferenciadas é uma atitude até coerente com o universo adolescente. Mas abusar disso é lamentável e afasta os autores das especificidades da carpintaria dramatúrgica.

4) A obsessão pela lição de moral - Teatro infantil não tem a obrigação de encerrar em si uma bela lição construtiva. Em vez do dedo em riste e da lição de moral, vale mais a pena, e é até mais honesto, tentar contar livremente uma história e deixar que a criança se identifique, que a criança a vivencie por si mesma. Não é necessário invadir o imaginário da criança com regras de conduta.

5) Edulcoração dos contos de fadas - Os contos de fadas nasceram muito mais realistas, muito mais cruéis do que eles são hoje. Hollywood e os estúdios de Walt Disney transformaram tudo em final feliz, valorizando excessivamente o triunfo do amor e da bondade. Reduziram o poder transformador de um conto de fadas, minando neles a capacidade de fazer uma criança amadurecer. Um conto de fadas oferece significados em muitos níveis diferentes e enriquece a existência da criança em muitos modos.

6) Participação forçada da platéia - Até hoje, muitos autores de teatro infantil reproduzem aquela velha cena em que um personagem se esconde do outro e quem procura se dirige à platéia com a infalível pergunta: "Pra onde ele foi?" A garotada e até os pais entram no jogo e lá se vão uns dez minutos de "Foi pra lá", "Não, foi por ali", "Agora, está aqui" e assim por diante. O autor fica feliz porque acha que conseguiu promover uma interação do espetáculo com o público. Quem foi que disse que, para estar interagindo com o espetáculo, uma criança tem de berrar, sapatear, gritar? O profundo silêncio de uma platéia, muitas vezes, é a maior prova da interação, da comunicação com o espetáculo.

7) Obsessão pela segmentação - Existe hoje uma tendência mercadológica castrante e limitadora, que segue distribuindo rótulos em profusão às manifestações artísticas, enquadrando tudo em faixas etárias, dividindo o mundo em categorias fechadas, acomodando a arte em gêneros estabelecidos. Teatro infantil é, antes de tudo, teatro. E como tal, no máximo, pode ser classificado por sua boa ou má qualidade.

8) Uso abusivo e despreparado da linguagem dos clowns - Proliferam pelos palcos montagens em que os autores encaixam uma bola vermelha na ponta do nariz e acham que isso, por si só, já faz um espetáculo teatral. A linguagem do clown é difícil, especializada, deve ser trabalhada com rigor, com muito critério e criatividade. As crianças são submetidas no palco a típicos shows de palhaços de festinhas de aniversário e os pais saem achando que levaram o filho ao teatro infantil. Isso também vale para os espetáculos de bonecos. Não bastar comprar fantoches no loja da esquina e montar um espetáculo. Artistas estudam anos e anos para entender da arte de manipulação de bonecos.

9) Diálogos mal escritos e ineficientes - Dramaturgia é antes de tudo literatura e, por isso, deve ter todos os compromissos com a profundidade e a criatividade da literatura, sem perder o pé da oralidade. O discurso teatral é uma expressão artística que tem de ser encarada com responsabilidade, porque o texto dramático tem a capacidade específica de reproduzir as falas sociais, as aspirações, os sonhos e as esperanças. Peça infantil com diálogos descuidados, frases mal construídas, idéias truncadas, é um mau teatro.

10) Mercantilização do espetáculo teatral - Há quem não seja tão rigoroso com relação a esse aspecto, mas realizar sorteios de produtos no final dos espetáculos é um desvirtuamento da função do teatro, é um mercantilismo desnecessário. A criança tem de levantar da poltrona concentrada no que viu, na arte que desfilou pelo palco o tempo todo e não preocupada se o número de sua poltrona vai ser o número sorteado para ganhar os brindes. Teatro não é programa de auditório.

4 comentários:

  1. Quem gosta do assunto e quer se aprofundar nele pode dar uma lida na minha dissertação de mestrado, disponível no link abaixo, é justamente sobre Teatro para Crianças e o Dib foi referência.
    http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/24812

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  2. Legal Gilberto, quero conhecer teu trabalho. Abraço!

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  3. Vou ler sua dissertação Gilbertão, e Marcelo, este ano estaremos montando "O Pequeno Príncipe" com estreia em maio de 2012, e utilizamos este material como referencial, que conheci na Uergs com o Profº Carlinhos.
    Um grande abraço!
    www.escapeteatro.blogspot.com

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  4. Gostei muito do texto! Consegue puxar a orelha e chamar a atenção pra pontos(licença pleunasmo)pontuais do teatro voltado para o público infantil. Quando o cinema se deu conta de situações/usualidades parecidas conseguiu grandes feitos. Parabéns e Obrigado pela nobre contribuição.

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