Falar dos outros é intrínseco ao ser humano. Que prazer se sente ao comentar a maneira como fulano se comporta, ou a estranha indumentária de sicrano, ou de como beltrano mudou de uns tempos para cá. É porque somos seres sociais, não suportamos viver fora do convívio com o Outro. E quer assunto melhor do que falar do que os outros fazem? Acho que falar dos outros só compete no ranking dos assuntos mais populares com o falar de si mesmo, essa uma praga narcísica que acomete a muitos. "Saber ouvir é uma arte": não sei quem disse isso pela primeira vez, mas assino embaixo.
Ocorre que saber ouvir se desdobra em outros "saberes", relacionados ao sentido primeiro de abrir ouvidos e coração ao que o Outro tem a dizer: saber ver, saber escutar (que é mais do que ouvir, porque envolve entendimento), saber sentir. Modernamente, ouvimos bastante música (nos irremediáveis aparelhos eletrônicos: um mar de cabeças envolvidas por pequenos fones de ouvido, que tornam seus portadores estranhos seres, presentes apenas de corpo, sem a percepção integral das coisas).
Parti da ideia de falar dos outros, e cá estou com a ideia de saber ouvir. Vou aproximar os dois verbos, falar e escutar (este mais apropriado para meu intento) para referir ao papel do crítico. Saber falar e escutar, ou melhor, primeiro escutar e depois falar. O corpo do crítico deveria ser uma gigantesca mucosa multisentidos, em que as informações entrariam corpo adentro em forma de imagens visuais, sonoras, gustativas, odoríferas, táteis. O crítico deveria ser um depositório de percepções, que o contaminariam, o obrigando a botar para fora suas percepções em forma de pensamento logicizado: texto escrito, principalmente, mas há outras maneiras, ainda pouco usuais, de externar sua percepção: talvez em breve, tenhamos críticos em vídeo, que deponham oralmente suas impressões sobre uma obra de arte.
Saber escutar, ou, semioticamente falando, saber ler uma obra de arte, é imprescindível para alguém que queira ser conhecido como crítico. Opiniões todos temos, até do preço do tomate que subiu demais nos últimos tempos. Mas ter consistência é outra avenida. O que me incomoda nos textos que leio por aí (principalmente na internet, o paraíso infernal dos que acham que sabem do que estão falando) é a constrangedora falta de conhecimento sobre o que se escreve. Não me peçam para escrever sobre o metabolismo humano, ou sobre o comportamento sexual das abelhas, ou sobre as pragas que assolam as plantações: não tenho nada a dizer sobre isso, e assumo minha ignorância. Mas alguns corajosos encaram bravamente a picaretante arte de escrever sobre arte, mais especificamente o teatro, incentivados por amigos e "admiradores" que sabem ainda menos. Canso de ler na blogosfera tupiniquim pretensas "críticas" que me fazem chorar no cantinho tamanha superficialidade e falta de embasamento. Mas o mais triste é que, se esses pobres corajosos não produzirem seus textinhos, o ato teatral torna-se ainda mais efêmero (será que não é melhor assim, já que, desde sempre, o teatro sobrevive na memória apenas?). Impasse: a liberdade de opinião (que eu defendo totalmente) versus o "mico" de não saber p* nenhuma sobre o que se escreve. Prefiro o silêncio.
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