Crítica escrita por Antônio Hohlfeldt, publicada na edição de 25 de janeiro do Jornal do Comércio. O espetáculo analisado, Um certo Capitão Verissimo, do qual faço parte do elenco, estreou em dezembro de 2012 no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, e fez mais duas apresentações em janeiro, no Teatro do Sesc. Deveremos voltar a cartaz em breve, em algum outro teatro de Porto Alegre.
Belo encontro de Deborah com Erico
Antes de embarcar para Mont-pellier, onde agora me encontro, ainda tive tempo
de assistir à bela homenagem que a diretora e atriz Deborah Finocchiaro presta
ao escritor Erico Verissimo que, como já escrevi em coluna anterior, ainda
recente, neste mesmo jornal, se tem tido má sorte no cinema, tem alcançado bons
resultados no teatro.
Um certo Capitão Verissimo resulta de uma pesquisa em torno da vida e
da obra do escritor de Cruz Alta, mesclando uma seleção de textos do escritor,
referências a sua vida e uma série de comentários musicais, o que faz do
espetáculo do grupo Companhia de solos & bem acompanhados um trabalho
criativo e interessante, na medida em que foge da interpretação canônica do
autor, de certo modo renovando-o em sua leitura.
O elenco inclui a própria Deborah Finocchiaro, a quem tenho acompanhado desde
a sua formatura no Departamento de Arte Dramática da Ufrgs, sempre exuberante,
visceral e profundamente emotiva e emocionante. A seu lado, estão Denise
Fontoura e Elaine Regina, Leandro Roos Pires e Marcelo Adams, este em uma série
de corporificações verdadeiramente tocantes. Denise Fontoura, com Deborah
Finocchiaro, ainda se ocupa das interpretações vocais, alternando-se todos em
diferentes instrumentos musicais, o que empresta ao trabalho uma variedade e uma
atenção constante do espectador.
A concepção original, da atriz e de Paulo Mauro, que assina a direção,
sintetiza na figura do “capitão” a importância e o significado do intelectual
Erico Verissimo e do escritor. O final do espetáculo, com a citação de uma
passagem inicial de Solo de clarineta, o primeiro volume de suas
memórias, não deixa dúvidas sobre o motivo pelo qual os artistas escolheram
Erico para este trabalho: sua singular militância, não político-partidária, mas
essencialmente humanística, que reconhece e assume a importância e o papel
social do escritor, sobretudo em sociedades com grandes diferenças sociais ou
que enfrentou ao menos duas ditaduras, como foi o caso de Erico Verissimo. No
entanto, o que mais me chamou a atenção, no espetáculo, foi o fato de se ter
privilegiado o livro de estreia de Verissimo, o conjunto de contos de
Fantoches que, se o escritor não renegou (ao contrário, participou de uma
bela edição facsimilada anotada em suas margens por ele mesmo), nem sempre
valorizou. É certo que ali está o cerne da trilogia de O tempo e o vento,
como eu e outros de seus estudiosos já apontamos. Mas o tratamento dos temas
ainda é superficial, pois se trata do aprendizado do escritor. Talvez o que
tenha atraído o grupo é que alguns dos textos aparecem na forma dramática, o
que, certamente, facilitou a transposição para o palco. Mas há textos fracos,
quase anedóticos, apenas, e este é o aspecto menos bem realizado da encenação,
mas salvo isso, Finocchiaro e Paulo Mauro seguiram a ojeriza de Erico ao
machismo e brincam com o tema, em passagem que me pareceu um pouco forçada, mas
que não chega a desarticular o espetáculo.
As composições musicais da própria atriz são inspiradas e revelam outra
faceta da artista, quer como compositora, quer como intérprete musical. O
cenário de Vicente Saldanha é inspirado e cria um belo clima logo na abertura da
cena, enquanto os figurinos e adereços, pesquisados pelo grupo, atendem às
necessidades da linha de encenação.
Das manifestações escritas, expressões do público sobre o trabalho,
destacam-se duas: o reconhecimento da importância de Erico e a qualidade do
espetáculo. Junto as duas: é importante que Erico não seja esquecido. Importante
para nós, bem entendido. É fundamental que as novas gerações descubram e releiam
Erico, sempre. Isso fará bem para todos nós. Neste sentido, o grupo liderado por
Deborah Finocchiaro está de parabéns.
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