Jean-Luc Lagarce (1957-1995) é outro daqueles dramaturgos franceses que são destaque na dramaturgia contemporânea. Montado no mundo inteiro, suas peças já chegaram ao Brasil há alguns anos, e entre seus textos mais conhecidos estão Apenas o fim do mundo, Music hall, História de amor e o texto que serviu de base para este espetáculo espanhol, traduzido em nossa língua como As regras da arte de bem viver na sociedade moderna (título da edição portuguesa do texto, que tenho).
O texto original de Lagarce, escrito em 1993, coloca como única indicação para um hipotético encenador a definição da personagem que diz essas palavras, "A SENHORA". De resto, ao longo de 37 páginas, sucedem-se orientações a respeito de como os indivíduos devem se comportar em situações sociais ritualizadas, tais como nascimento, batismo, casamento, bodas de prata e funeral. É um texto totalmente narrativo, sem nenhuma indicação de ação dramática. Ainda assim, pelo absurdo das afirmações da personagem, pode-se extrair daí uma bela comédia, mas para isso requere-se um excelente intérprete, para colorir essa narração.
A montagem em questão, a cargo de Ernesto Calvo e interpretada por Gerardo Begérez, cumpre apenas parcialmente essa potencialidade. A bem da verdade, não há praticamente um trabalho de encenação. O ator, que é bom, movimenta-se, durante grande parte do tempo, quase que aleatoriamente. Algumas ações são criadas com a colocação, em diferentes configurações, de alguns caixotes de madeira pintados de branco. Também há sapatos vermelhos femininos e pretos masculinos; um buquê de flores; e dois castiçais com cinco velas cada. Basicamente é isso, e o trabalho do ator, que inicia a peça travestido como mulher, vestido dos pés à cabeça com um esvoaçante vestido branco. Durante a encenação, ele vai despindo a roupa e termina apenas de cuecas. Pergunta número 1: por que isso? Qual código obscuro levou a direção do espetáculo a isso? Fiquei sem saber.
A pergunta número 2 é: por que não investir no aspecto cômico do texto com mais intensidade? Não há quase nada que auxilie o ator a contar a história de forma mais dinâmica, ainda mais pelo tom de voz pausado e de volume médio que emprega durante todo o tempo. Há, claramente, um investimento no risível da situação e das regras enunciadas, mas parece ter faltado criatividade para desenvolver tudo isso. É um espetáculo nota 7, mas poderia ser quase 10, com um pouquinho mais de esforço. Parece preguiça.
Pergunta 3: por que a iluminação é tão ruim, tão imprecisa? Nem é culpa do ator, exclusivamente, mas da criação da luz, que propõe focos impossíveis de serem seguidos. A luz parece fazer parte de outro espetáculo, quase sempre.
Bem, em resumo, o texto é suficientemente aberto para render muito mais do que nos apresentaram os espanhóis. Poderia ser uma comédia hilariante, é só lembrar da personagem Madame Hortense, interpretada há alguns anos pelo falecido Leverdógil de Freitas. Mas não foi dessa vez. Quem sabe eu me arrisco a montar esse texto?
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