Sou um apaixonado pelos autores que se costuma enquadrar sob a denominação "guardachuvática" (neologismo meu, me perdoem) de Teatro do Absurdo. Este termo foi criado por Martin Esslin em seu livro de 1961, que tem por título a mesma expressão, e passou a ser aplicado a dramaturgos como Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Harold Pinter, Vaclav Havel, Fernando Arrabal, Arthur Adamov e outros. Não é a toa que no próximo dia 15 de outubro, meu grupo, a Cia. de Teatro ao Quadrado, estreia o espetáculo A lição, de Eugéne Ionesco, no ano em que se comemoram os 60 anos do Teatro do Absurdo (cujo primeiro movimento é considerado a encenação de A cantora careca, de Ionesco, em 1950).
Beckett escreveu Fim de partida em 1957, este que é um dos textos mais celebrados desse genial autor irlandês, e onde repete temas encontráveis em Esperando Godot, sua obra mais conhecida. A desesperança do beco sem saída em que habitam as personagem Hamm, Clov, Nagg e Nell, aliada ao humor amargo e nigérrimo, fazem esta peça um exemplo da filosofia beckettiana: o niilismo convive com o burlesco.
O que me agradou na montagem venezuelana foi a disponibilidade física dos atores, especialmente o domínio corporal do intérprete de Clov. Não me lembro de ter visto uma montagem dessa obra tão exigente em termos físicos. Por outro lado, é justamente isso que também me desagrada nessa versão: tudo é acelerado, gritado mesmo, sem tempo para as famosas e bem-vindas pausas do texto, que estão lá não por um capricho do autor, mas porque contribuem com a atmosfera buscada. Como em Esperando Godot, onde Gogo e Didi esperam Godot, que nunca vem, e enquanto isso criam jogos e brincadeiras para passar o tempo, em Fim de partida Hamm e Clov também esperam por algo, que nem eles próprios sabem o que é. Pode-se dizer que eles esperam o tempo passar, como quem carrega sobre os ombros o peso de estar vivo sem objetivos muito definidos. Nesse sentido, Endgame é ainda mais cruel que Waiting for Godot, já que nesta havia a esperança e o sonho de que Godot pudesse resolver seus problemas e acolhê-los em um lugar quentinho. Na peça de 1957, não há esperança, o mundo está desolado, tudo é cinza, cinza, cinza, e parece não haver ninguém mais no mundo para dividir as desgraças.
Ao optar pelo ritmo acelerado, a montagem dirigida por Héctor Manrique investe mais no estranhamento cômico proporcionado pelas ações das personagens do que na reflexão, que deveria se instalar, venenosa, de que viver é esperar pela morte. Não concordo com essa tentativa de tornar mais palatáveis as coisas. Ao final da peça, inclusive, há um lampejo melodramático nos discursos das personagens, que também considero equivocada. Não se chora por essas figuras, elas mesmas não têm pena de si. Pode haver esboços de desespero, mas que são logo encobertos. Não adiantam de nada. Em uma das falas mais brilhantes da peça, Hamm diz "Acho que estamos começando a significar alguma coisa", sem ter muita certeza do que seria esse significado. Para mim, isso é Beckett.
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