Qualquer um que se proponha a extrair de uma obra literária - ou teatral, musical, de artes visuais - sempre passa pelo mesmo ritual: observação, absorção e interpretação. Porque nós sempre buscamos dar sentido àquilo que nos chega, já que temos uma mente racional, preparada para encontrar significados e associações. Alguns têm essa capacidade mais desenvolvida; outros sofrem da doença crônica da assimbologia, ou seja, têm dificuldade em criar essas pontes entre as coisas e as metáforas, dando-lhes significados que vão além do simples concreto.
Para um crítico, profissional ou amador, torna-se fundamental ter clareza sobre as diferenças entre análise e interpretação, quando se debruça sobre uma obra. A análise e a interpretação não podem ser separadas organicamente em uma crítica, já que caminham juntas na formação de um conceito. Porém pode-se, sim, dar uma ordem de prioridade: primeiro vem a análise, depois a interpretação.
Por que?
Porque a interpretação, apesar do prazer que temos em fazê-la, é sempre parcial, sempre incompleta. Quando assistimos a um filme ou a uma peça de teatro, dizemos, por exemplo, que "os figurinos são todos de cores terrosas e em tecidos rústicos", embasando todo o restante da encenação a partir desse dado - não irrelevante, porém parcial. Pega-se apenas um trecho da obra, supervalorizando-o, e minimizando todo o restante. Assim, serão infindáveis as possibilidades de interpretação de uma única peça: podemos abordá-la a partir da cenografia, da iluminação, do texto, da interpretação dos atores, dos silêncios, das temáticas, etc.
Já quando partimos de uma análise, temos como ponto de partida a noção de que o nosso objeto é o que é, ou seja, formado por uma série de elementos, o que nos dá a visão de conjunto. Obviamente que a análise interpretativa é o método mais rico para um crítico (ou um leigo), já que abrange o todo com hipóteses próprias de entendimento para o significado da obra (mesmo que a ideia de um significado único e fechado seja totalmente descabida).
Roland Barthes faz uma separação entre des-cobrir e cobrir uma obra:
Não precisamos descobrir algo de novo e original, uma abordagem inédita ou altamente inesperada, em relação à obra analisada. Devemos sim cobri-la, no sentido de nos estendermos sobre ela, sem que nenhum espaço seja deixado de fora.
Outra ideia: todo ato interpretativo, ao mesmo tempo que ilumina a obra, causa, em sua esteira, uma grande cegueira, porque para iluminar algo é preciso escurecer o resto.
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