Marcelo Ádams

Marcelo Ádams

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Olhos nas pontas dos dedos


O final de semana de Bodas de sangue foi um sucesso de público, casas praticamente lotadas nas quatro noites (incluindo as galerias do São Pedro). Há mais quatro oportunidades, para quem ainda quiser assistir, de 3 a 6 de junho. Alegrias não faltaram nesses últimos dias.
Para quem estranhar o título deste post, associado à imagem acima: trata-se de pura e simples associação de ideias, ainda que ancorada na realidade. Nem tudo são flores no jardim do bem e do mal.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Que venga el toro!

Hoje estreia Bodas de sangue, no Theatro São Pedro, onde permanecerá em cartaz até dia 6 de junho, de quintas a domingos. Foi mais um esforço coletivo de um grupo de profissionais, coordenados por Luciano Alabarse, que chega ao palco de forma muito digna. Admiro muito o Luciano, por sua ética acima de qualquer reparo, sua obstinação em fazer teatro de qualidade superior em Porto Alegre. Sempre há quem não concorde com suas opções estéticas, mas essa é uma das cargas que pesam sobre os artistas: não agradam a todos, isso seria impossível. Agora está aí mais um espetáculo feito com toda empolgação por todos nós, esperamos que nos visitem e tenham bons momentos. A foto é de Júlio Appel.

domingo, 23 de maio de 2010

O osso de Mor Lam

Assistir a um espetáculo de uma dramaturgia praticamente ignorada no Brasil - a não ser por estudiosos da área de Letras, como a Luciana Éboli, que em sua tese de Doutorado se debruça sobre textos de autores africanos de língua portuguesa - já é motivo suficiente para ir ao teatro assistir a uma montagem como essa. O texto de O osso de Mor Lam é do senegalês Birago Diop, em encenação de Jessé Oliveira, o cabeça do Grupo Caixa-Preta, e cumpre curta temporada na Sala Álvaro Moreyra do Centro Municipal de Cultura, até dia 6 de junho.
Com elenco de seis atores negros, composto por quatro mulheres e dois homens, o Caixa-Preta, que se notabiliza por praticar um tipo de teatro preocupado com questões marcantes da consciência negra e a expressão da cultura de origem africana em terras brasileiras, apresenta um espetáculo simples e eficiente. Sem nenhum tipo de financiamento e patrocínio para montar O osso de Mor Lam, a produção conseguiu colocar em cena absolutamente tudo que é necessário para contar esse singela fábula bem humorada. Nitidamente inspirado pela estética de Peter Brook, que montou esse mesmo texto no final dos anos 1970, Jessé homenageia o famoso tapete do inglês, sobre o qual podem ser contadas todas as histórias com um mínimo de recursos espetaculares e um máximo de aproveitamento daquilo que é o mais característico do teatro como expressão artística: o trabalho do ator. No lugar do tapete de pano brookiano, um "tapete" de arroz, com proporções um pouco maiores que um tapete "comum", mas ainda assim com o mesmo significado.
Em cena, o arroz é o elemento mais constante, através do qual uma série de outros elementos cênicos são substituídos. Exemplos: o arroz representa, além do próprio cereal, em momentos distintos, água, terra e bebida a base de álcool. A cor característica do arroz, o branco, acrescida do quase monocromatismo dos figurinos (também brancos ou em tons de gelo, bege, etc.), em contraste com a pele negra dos atores, abre interessantes possibilidades de leitura para o espectador. Jessé não escancara nenhuma delas, mas nos deixa pensar sobre isso.
A fábula da peça pode ser mais ou menos resumida assim: em um mundo de arroz, a carne vermelha é rara. Mor Lam consegue com uma tribo vizinha um osso de gado, cheio de tutano, e passa a sonhar com o momento em que finalmente poderá sorver aquela gordura desprendida do osso, que cozinha em uma panela, sob a supervisão de sua esposa. Mor Lam, obcecado com a possibilidade, egoisticamente tenta guardar apenas para si esse prazer, objetivo que é frustrado com a chegada de um amigo, que em uma visita interminável não permite que ele, literalmente, se lance aos prazeres da carne. A partir desse empecilho, Mor Lam e sua mulher, em uma sequência de ações cômicas, criam quiproquós para afastar o amigo da casa, enredando-os cada vez mais em mal entendidos e mentiras.
A caracterização de Mor Lam, do ator Sílvio Ramão, reproduz com bom resultado os maneirismos de um cão, e o restante de elenco tem uma contagiante energia para contar essa história, ainda que por vezes careça de uma técnica um pouco mais trabalhada para dar vida às figuras exigidas pela dramaturgia. Visualmente, o espetáculo é muito bonito, com uma cenografia realmente adequada, uma trilha sonora totalmente executada pelos atores, que demonstram um belo trabalho vocal na criação de sonoridades, e a iluminação do próprio Jessé, que para variar, é linda.
Após as experiências anteriores do Caixa-Preta, as quais tive a oportunidade de assistir - Transegun, Hamlet sincrético, Antígona BR -, me parece que O osso de Mor Lam indica um caminho novo, da simplicidade, da proximidade com o espectador. Não que as incursões de Jessé na mitologia ocidental não tenham sido marcantes (especialmente seu Hamlet, pois a Antígona carecia de aprofundamento, em minha opinião), mas às vezes um coletivo de artistas leva algum tempo para encontrar sua verdadeira máscara. E essa máscara que agora vejo parece muito adequada.
Em tempo: a ótima peça infantil Canto de cravo e rosa, que o Jessé dirigiu em 2007, no grupo Bando de Brincantes, não é do repertório do Caixa-Preta, mas tem alguns dos atores do grupo no elenco.

Bibi, a mascote do Bodas



A Bibi é uma cadelinha muito querida, cheia de energia, que mora há alguns meses no Centro Cenotécnico do RS, na Voluntários da Pátria, onde ensaiamos todos os anos os espetáculos do Luciano Alabarse. Neste ano fomos apresentados a esse exemplar canino, sem raça definida, que conquistou a todos com sua graça. A Bibi é chamada assim como uma homenagem à grande Bibi Ferreira, conforme batismo do Mauro Soares. Alguns mal intencionados chamam a doce bibi de Yeda, alcunha com a qual eu não concordo: não fica bem chamar um bichinho tão amigo com um nome como esse, carregado negativamente.
A Bibi, se eu pudesse, levava para minha casa.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Rocco: Adroaldo

Fiz um curta na PUCRS, como ator, dentro do curso de cinema da PUCRS. A direção e o roteiro são do Filipe Matzembacher - um jovem diretor que certamente vai se destacar muito e muito em breve. Rocco trata de uma personagem fictícia, que dá nome ao filme, e em clima de fakementary recria - através de depoimentos de pessoas que conviveram com ele - seus passos. Rocco é uma metáfora do rock'n'roll, e sua trajetória segue os passos do rock, desde seu surgimento, nos anos 1950, influenciado pela cultura negra norte-americana, as experimentações lisérgicas dos anos 1960, o glam que inundou o cenário roqueiro nos 70, o atordoamento dos anos 80, a ressurreição grunge dos 90, e o que mais vier por aí...
Interpretei o Adroaldo, um expert em alguma coisa (!), que fala sobre a experiência única que foi conhecer essa figura polêmica. A foto, de Betânia Dutra, foi clicada no set, o Salão de Atos da PUCRS.

Bodas de sangue

De 27 de maio a 6 de junho, quintas a domingos, no Theatro São Pedro, estará em cartaz Bodas de sangue, "tragédia andaluz" de Federico García Lorca. O espetáculo tem direção conjunta de Luciano Alabarse e Luiz Paulo Vasconcellos, e conta com 17 atores no elenco.
Na foto acima, eu, intérprete de "Leonardo", Sissi Venturin, a "Noiva", e Fabrizio Gorziza, o "Noivo".
Os ingressos já estão à venda na bilheteria do teatro.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A tecelã

Assisti ao novo espetáculo do grupo Caixa do Elefante Teatro de Bonecos, que desde 1991 tem criado obras para todas as idades. Li numa entrevista do Paulo Balardim, diretor e roteirista de A tecelã, que "um bom espetáculo não tem faixa etária", e até certo ponto isso se aplica ao teatro em geral, embora não se possa generalizar (algumas encenações, definitivamente, não são adequadas para crianças, por mais que se democratize essa questão - lembro de Tito Andrônico, uma tragédia sangrenta de Shakespeare, por exemplo, sendo assistida por criancinhas: chocante!). Isso não se aplica à peça de Balardim, que realmente pode ser vista por qualquer pessoa, claro que com entendimentos diferenciados, de acordo com o "horizonte de expectativa" de cada um.
Na foto acima, Carolina Garcia, a tecelã do título, que contracena basicamente com bonecos, durante a encenação de pouco menos de uma hora. É uma fábula muito simples, adaptada de um conto de Marina Colasanti, onde uma tecelã conhece um homem, por ele se encanta e, aparentemente, se separam. Digo aparentemente porque a peça não faz uso de palavras para contar essa história, e o que apreendi decorre das ações e climas criados pela encenação. Às vezes eu tinha que intuir os rumos que a história tomava, pela falta de um esclarecimento maior: uma atmosfera onírica muitas vezes tomava conta da cena, com lindas imagens, sucedendo-se ação ao vivo, com bonecos, e projeções. A dramaturgia por vezes frágil, no entanto, não tira os méritos da produção, que é de qualidade superior. Tudo é bem acabado, preciso, poético: a cenografia, a trilha sonora, a iluminação (essa com pequenas falhas de operação ou afinação), e a atuação de Carolina, muito sensível, delicada. Os truques de magia são encantadores, o jogo é delicioso. Um lindo trabalho, que demonstra toda a pesquisa séria e aprofundada que o Caixa do Elefante faz.

sábado, 15 de maio de 2010

Um homem sério

Os filmes dos irmãos Coen são tão esperados quanto as produções de Woody Allen, Martin Scorsese e outros desses diretores que usam o cinema para deixar uma marca de qualidade e estilo.
Em 2009, esses dois cineastas judeus produziram Um homem sério, que até concorreu com outros nove filmes ao último Oscar de Melhor Filme. O filme é um primor, encharcado daquele tipo de humor coeniano, e que agora descobri ter muito do humor judaico de suas raízes.
Nos últimos tempos, envolvido em profundidade com esse humor - por conta da direção do espetáculo Mães & Sogras, que tematiza também esse aspecto da cultura -, comecei a me dar conta cada vez mais da grande contribuição que a visão de mundo de alguns artistas judeus trouxeram à arte em geral. Passei a constatar que alguns dos meus artistas preferidos, e que mais me influenciam, são judeus, e isso inclui Woody Allen, Franz Kafka, os irmãos Coen e muitos outros. Há algo de cruel, de desesperançado, de esperançoso, de auto-depreciativo, de absurdo, de irônico, que me fascina. O filme dos Coen traz muito desses ingredientes, e de alguma forma aproxima a cultura judaica da antiga religião grega: o que Um homem sério parece frisar é que nossa vida na Terra independe de o quanto somos ou podemos ser generosos com os outros, pois não há relação de causalidade entre as desgraças que nos acometem e nossos atos. Como seria de se esperar em um filme que trata de personagens judeus, isso é bem pouco cristão, não é?
O protagonista, Lawrence Gopnik, interpretado por Michael Stuhlbarg, vê sua vida ruir em pouco tempo, durante o ano de 1967, nos EUA. Parece piada: a mulher o abandona, ele está sob ameaça de ser demitido de seu emprego em uma universidade, como professor de matemática, um vizinho se apropria de uma parte de seu terreno para construir uma garagem, etc.. Abalado por essa série de infortúnios, vai procurar conselhos com os rabinos, o que reforça o caráter inconclusivo da vida: os rabinos não têm uma explicação racional para nada, divagando sobre aspectos pouco claros ou cotidianos da existência. Qual o significado disso, por que as coisas acontecem desta maneira? Ninguém sabe; e se só Deus sabe, isso é o mesmo que dizer que ninguém sabe. A tragédia grega em que se transforma a vida de Gopnik, como um homem sério que tem sua vida destruída pelos desígnios imponderáveis de um ser superior (ou do próprio acaso), me faz cometer o seguinte silogismo ao inverso: Se Deus existe é porque Ele não existe; se Ele não existe, é porque existe.
Em última análise, o que parece valer é o pertencimento a uma comunidade que acredita em uma mesma coisa. No caso dos judeus, com uma tradição de milhares de anos como uma corda a guiá-los no meio da tempestade de areia da existência: não enxerga-se nada a mais de meio metro de distância, mas se o tato ainda é um sentido confiável, agarra-se a ele e vai-se palmilhando o espaço desconhecido. No caso de qualquer outra religião, os crentes são como ratinhos assustados no fundo de um armário, que se unem e se convencem mutuamente de que um cão bom e bravo virá e afastará o gato faminto que está prestes a abrir a porta do armário com suas garras afiadas. O cão está longe, e por vezes os ratinhos parecem ouvir um latido rouco, longínquo. Há esperança de que o cão chegue logo, sempre há. O Cão existe, amém.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Inveja dos anjos

O espetáculo da Armazém Companhia de Teatro - sediada no Rio de Janeiro, após seus primeiros anos no interior do Paraná - me lembrou bastante a simplicidade e as temáticas exploradas por Ariane Mnouchkine em seu deslumbrante Les ephémères. O cotidiano de personagens que fogem de estereótipos e se aprofundam nas vicissitudes próprias do Homem é o material para esse trabalho dirigido por Paulo de Moraes. Com uma cenografia altamente metafórica e interpretações quase sempre justas do elenco, a peça é eficiente em seu andamento "Maria fumaça", sem deixar-se contaminar pelo "trem balismo" que poderia-se esperar. O que há de menos interessante na peça é o seu começo, quando vemos três amigos bebendo vinho e fazendo algumas observações e planos sobre o passado e o  futuro. Depois, o espetáculo entra nos trilhos e vai deixando que a emoção - nunca piegas - adira a ele. A cena de reencontro das personagens dos atores Patrícia Selonk e Thales Coutinho é exemplar nesse sentido.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Esperando Godot

Em fevereiro de 2004, quando eu ainda era aluno do curso de Direção teatral do DAD, montei um dos textos mais emblemáticos do grande Samuel Beckett: a obra prima Esperando Godot. Na ocasião, resolvi colocar atrizes interpretando quase todas as cinco personagens masculinas: Margarida Leoni Peixoto (Vladimir), Eliza Pierim (Estragon), Anna Fuão (Pozzo) e Nádia Mancuso (Lucky). O Leandro Lefa era o único homem do elenco, interpretando o menino que vem, nos dois atos, avisar que Godot não virá.
Ainda quero montar essa peça profissionalmente!

sábado, 8 de maio de 2010

Assuntos batidos

Assisti hoje ao novo filme de Tim Burton, Alice no país das maravilhas. Tanto já se falou sobre essa produção adaptada das obras de Lewis Carroll, que o que vou escrever não é novidade: o filme é decepcionante, vindo de um criador de obras marcantes como Os fantasmas se divertem (Beetlejuice, 1988), Edward Mãos-de-tesoura (Edward Scissorhands, 1990), Batman, o retorno (Batman returns, 1992) e Ed Wood (1994). Nada do caráter profundamente psicanalítico de Carroll ficou: o filme virou uma aventura de ação, com aquela profusão de cenários e personagens construídos por computação gráfica, que conseguem irritar quase tanto quanto um ator ruim.
Outro assunto batido: stand up comedy. Tenho visto vários desses "humoristas em potencial", e sinto dizer que na grande maioria das vezes, não têm graça. É uma arte difícil a de narrar comicamente, e parece que a nova onda é essa. Talvez pela facilidade de erguer um espetáculo desse tipo, que não precisa de quase nada em termos de produção, talvez pelo sonho de que, para ser "popular", um espetáculo de humor é um passo mais curto. Ledos enganos. E não é porque tenho falta de senso de humor (isso, decididamente, não me falta), mas sou exigente, e não é qualquer piadinha que vai me conquistar. Não se subestima o riso, que é poderoso. Espero, com ansiedade, que essa onda de riso enlatado se esvazie logo, e que venham novas propostas.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Caminho para Bodas

Aí está o cartaz de Bodas de sangue, que estreia no próximo dia 27 de maio.

sábado, 1 de maio de 2010

Asterisco: a popular "estrelinha"


Quando Fausto Silva, um dos mais populares apresentadores da TV brasileira vem, dezenas de vezes por dia, dizer que, para enviar um "torpedão" para uma promoção qualquer, é só discar o número tal pelo celular e, em seguida apertar "asterisco, a popular estrelinha", me sinto um pouco desconcertado.
A primeira hipótese que me vem à mente é: os criadores do comercial acreditam que o público alvo dessa campanha é tão ignorante que não sabe sequer o que é asterisco. Talvez, pensam eles, imagine tratar-se de uma planta, da família dos hibiscos...
A segunda hipótese não é melhor que a outra: os milhões de espectadores que vão enviar um torpedão para o Faustão são, de fato, ignorantes, e nunca ouviram falar em asterisco, apesar de confrontarem-se com ele dezenas de vezes por dia, quando mandam SMS para seus amigos.
Um país que não lê não pode crescer economicamente, ou pode? Até onde vai esse crescimento, me pergunto então. Crescer não é apenas produzir empregos, oportunizar que as classes menos favorecidas tenham alcance aos bens materiais. No Brasil mesmo, isso já aconteceu nos anos 1970, durante o governo do mais sanguinário dos presidentes militares: Emílio Garrastazú Médici. Na época, chamou-se de "milagre econômico" à desenfreada onda de otimismo da classe média, que poderia finalmente "arrumar suas casinhas". Por trás dessa cortina de fumaça, torturas, assassinatos políticos e um "varrer-para-debaixo-do-tapete" o que parecer desagradável.
O asterisco, a popular estrelinha, precisa encontrar nome entre o povo. Senão, corre o risco de se transformar em uma bonitinha estrela de oito pontas, apenas. O asterisco tem nome, sim. Já utilidade prática, é outra história. Talvez seja o mesmo caso do teatro: não serve para nada, mas é o termômetro de uma cultura, é o reflexo da sensibilidade de uma população. Às vezes o que parece não ter nehuma serventia é o que mais contribui para o engrandecimento de um ser humano. Isso sim, é o teatro.